terça-feira, 17 de agosto de 2010

Um autoretrato

A deficiencia física moldou muito do que sou hoje. Descobrir-se diferente me levou para um caminho solitário. Apesar de ser uma pessoa dócil, obediente, vivi uma grande parte da minha vida sustentanto sentimentos de rebeldia, revolta com doses altissimas de orgulho e pré-conceitos. Mas isso não foi tão prejucial, essa trajetória me levou para a companhia dos livros. Ler tem sido um dos melhores instrumentos rumo ao autoconhecimento. Por isso meus amigos mais queridos são autores e personagens de livros. Rubem Alves, Clarice Lispector, Sidney Sheldon, Leonardo Boff, entre vários. Portanto, viver de maneira solitária para mim trás sempre um grande prazer. Mas no fundo sentia falta de algo concreto. Meu espirito exigindo mais ação, compromisso, desejos comuns. Minha vida escolar nunca foi interropida, fui alfabetizada, e segui a vida escolar na sequencia, fiz primário, ginasio e segundo grau, faculdade, enfim costruí uma vida escolar sem maiores percalços. Aos completar dezoito anos comecei a trabalhar, como servidora pública municipal passei uma boa parte da minha caminhada exercendo atividades na secretária de uma escola municipal. Fiz amigos, compartilhei aprendizados que levo para minha vida inteira.
Por conta de uma inquietude intelectual sempre acompanhei as notícias relacionadas a politica, a economia, a luta pelos direitos humanos, etc. Imagino que esse legado seja herança do meu avó materno, um homem a quem comecei a admirar através das histórias contadas pelo meu pai, meus tios, e nossos amigos em comum. Como mencionei no inicio do texto, fiquei muito tempo apegada aos anseios de uma cura, ou quem sabe se escondendo da vida. Um termo que achei adequado pra conceituar essa etapa da minha vida pode ser caracterizado por letargia. Sinto como se estivesse dormindo, mas, não dessa forma literal que todos entendem, mas fechada num mundinho particular, cheio de redomas, protegida pelo excesso de zelo da família. Porém, com meu jeito simples e perseverante soube chegar devagar e me fiz enxergar. Às vezes de maneira tosca, outras vezes singela, quase sempre docilmente presente em qualquer espaço. Por ter um caráter dócil acho que não soube ousar no momento exigido, ou quem sabe tenha feito sem consciência exata da situação. Mas, como saber se isso foi defeito ou apenas a forma diferente de intervir? Na verdade não se deve lamentar nada. Tudo é aprendizado. Os erros são nossos melhores conselheiros. Isso já está provado cientificamente por estudiosos renomados. Bem diz Piaget!
Comecei a esboçar esse texto para imprimir alguns sentimentos e pensamentos que pedem um registro. Rs...Todavia, acredito que essa pagina não seja suficiente para recebe-los, pois as idéias ficam atropeladas e a habilidade de escrita e pensamento são muitos distintas e possuem velocidades diferentes. Mas vamos lá... Faz parte do treinamento. Voltando ao assunto sobre o meu despertar, concluo que foi lento e como tudo na vida, ele não ocorreu de maneira linear. Precisei de impulsos, de pesquisa, de aprimoramentos, testes e provas.
Em relação à deficiência física meu aprendizado foi avassalador, pois a medida que o tempo passava as limitações aumentavam. Por isso foram recorrentes os momentos de angústia,  as muitas perguntas que fiz aos médicos, a família e mim mesma; surgiam algumas respostas e muitas outras perguntas ainda não respondidas permanecem em mim, mas consegui assmilar as perdas, as dores com uma consciência maior sobre o papel da adversidade nas nossas vidas. Ao mesmo tempo em que precisei protagonizar esse papel em toda minha trajetória infanto-juvenil, adolescência e pós-adolescência deixaram-me muitas vezes me sentir excluída da maior parte dos eventos da vida social. Contudo isso na verdade foi uma forma absorvida por meu próprio pré-conceito. Escrevo para exorcizar muito desses fantasmas do passado. Escrever me faz bem. Pois, descobri que escrevendo consigo organizar os pensamentos em linha reta e assim tenho conseguido me ouvir melhor.
Quando falei em letargia, foi a maneira que encontrei para construir essa ponte à qual precisei edificar ao constatar minhas perdas e ganhos com a distrofia muscular. Precisei ponderar: ou ficava em casa, reclusa, excluída, invisível, tendo pena de mim mesma e esperando por um milagre, ou voltaria à vida, explorando meus potenciais. Felizmente algo desafiador aconteceu em 2004. A vida é cheia de desafios. Estamos em constantes descobertas, e num desses momentos de desbobertas fui “pressionada” pela família a aceitar um papel ativo na cena publica: candidatar-me a vice-prefeitura da cidade de Uruoca. Entendi que naquele momento precisava levar minha voz e deixar-me ouvir. No redemoinho das emoções isso as vezes é totalmente incompreensivel para nossa razão, porém, após os momentos de reflexão percebe-se que nada é por acaso. Lembro que esse processo me possibilitou um crescimento pessoal e social. Entendi que minha formação escolar, minha trajetória de vida, minha família tinham fornecido um grande alicerce para a formação de uma pessoa forte e guerreira.
Uma coisa que me fazia ficar triste e rejeitar ainda mais minha condição física era encarar a cadeira de rodas. Esse chamado veio para apressar e facilitar esse processo de mudanças. Comecei a aceitar e até me sentia confortável na cadeira, pois, a mobilidade ficou facilitada e podia chegar mais rapido e fazer muitos trajetos. E assim, a cadeira de rodas passou a ser encarada como uma forte aliada e complemento do corpo, me permitindo sair com mobilidade, ir a restaurantes, cinema, igreja, etc e tal. Sendo assim, a percepção que tenho hoje é de que a deficiência tem me dando a chance do autoconhecimento. Tenho uma vida interior muito intensa. Gosto de esmiuçar a dor, a alegria, enfim gosto de gente. E também sou muito visceral. E não consigo encarar um espelho! Ainda me estranho muito. Porque na mente ainda me vejo como aquela garota ativa que corria, subia em arvores, em cercas, se banhava em riachos, açudes e tinha uma total independência. Por isso entendo que muito da beleza está no charme dos movimentos. Mas consegui ganhar muito em expressão facial. Consigo me expressar melhor no sorriso e no olhar que expresso.
Geralmente passo a imagem de uma pessoa que consegue se motivar e que consegue passar isso para as pessoas, e com veracidade. Não uso isso como balela e saio por aí dizendo vamos lá. Vamos em frente que atrás vem gente..rsrs...Mesmo na dificuldade consigo atuar na vida com desenvoltura e isso ocorre de maneira natural. É uma atitude que gera nas pessoas esse sensação, e isso desperta algo positivo nelas. Percebem que existe muita alegria em viver a vida, mesmo estando em uma situação que, de acordo com os parâmetros da maioria era para desejar a morte.
Portanto, concordo com a Mara Gabrilli (vereadora paulistana) precisamos atuar pedagogicamente na sociedade e propor um aprendizado reflexivo sobre o comportamento das pessoas em sociedade. As pessoas precisam enxergar essas pessoas diferentes? Conseguir pensar em formas de incluir pessoas com surdez, cegueira, cadeirantes, anãos. E experimentar o sentimento de fraternidade, civilidade, convivência e coletividade. E assim, tirar da invisibilidade esse segmento de pessoas as quais também me incluo. Para isso me comprometo a atuar com delicadeza nessa causa, até porque acredito muito que sensibilizar e educar continua sendo a forma para desenvolver atitudes inclusivas.

3 comentários:

  1. Bravo! São pessoas como você - que independentemente de suas limitações - o nosso mundo está carente. Eu aprovo e acredito fielmente na sua idéia. E, tenho certeza que, juntos poderemos e vamos fazer ou pelo menos tentar, reconstruir um mundo cheio de sonhos, de expectativas e realizações plausíveis. Sorte e sucesso, hoje e sempre! Beijos carinhosos,

    Professor Miguel.

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  2. Grande Ilma! É isso aí, temos que deixar de pensar que somos coitados e incapazes e fazer a diferença. Só depois disso que os outros também mudarão suas ideias. A mudança começa com a gente!
    Parabéns e sucesso nessa nova empreitada profissional e pessoal!!!
    Beijos!
    TECO

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  3. NOSSA FIQUEI EMOCIONDA, SUA HISTORIA DE VIDA SO MOSTRA O QUANTO DEVEMOS AGRADECER POR TUDO QUE DEUS NOS DÁ...SOU SUA ADIMIRADORA...BJS

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