sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Divagando sobre a deficiência...


Divagando sobre a deficiência...

Rede SACI
Belo Horizonte - MG, 23/09/2011

Em seu texto, Adriana Lage comenta sobre a importância do trabalho na vida das pessoas com deficiência.

Adriana Lage
Aproveitando o Dia Nacional de Luta das Pessoas com Deficiência, fui convidada para escrever um artigo, pro banco onde trabalho, falando sobre as melhorias da empresa para os funcionários com deficiência. O legal de se trabalhar em uma empresa nacional é poder conhecer pessoas dos diversos cantos do país. A troca de experiências nos enriquece muito. Sou encantada com nossas diferenças culturais. Se vai dar certo, só Deus sabe. Mas estamos nos unindo e tentando ganhar mais visibilidade no banco, já que ainda somos um grupo muito reduzido. Escrevendo esse artigo, levei um susto! Completei 11 anos de empresa no último dia 18. Santo Deus! Como o tempo voou... lá se foram anos de muito trabalho, muito aprendizado, muitas conquistas, algumas frustrações e inúmeros amigos. Como dizem alguns amigos, sempre ganhando pouco, mas se divertindo muito. Alguns falam que o banco é uma fábrica de doidos! Infelizmente, tenho que concordar que essa frase não é de todo errada. Mas ando me cuidando pra não ficar assim! Gosto muito do meu trabalho. Mas nunca me esqueço que existe vida fora dele. No início da minha carreira, vivia em função do meu emprego. Cansei de levar serviço pra casa e passar finais de semana trabalhando sem remuneração ou reconhecimento algum. Meu ex chefe puxava minha orelha dizendo que temos que cuidar melhor de nós, já que os funcionários passam e a empresa fica. Hoje consigo ser uma funcionária competente e ter uma vida fora do trabalho.Não tenho dúvidas que o direito ao trabalho foi uma das maiores conquistas das pessoas com deficiência. É maravilhoso poder ser útil, ter independência financeira, responsabilidades e desafios a conquistar... Tudo isso reflete em nossa autoestima! Eu me tornei outra pessoa depois que comecei a trabalhar. Passei a ganhar mais visibilidade e a ser mais respeitada. Sinceramente, não há nada melhor do que ser independente financeiramente. No início da minha vida profissional, passei por algumas situações engraçadas. Era muito tímida e fui trabalhar em uma agência bem movimentada em Contagem/MG. Logo de cara, fui trabalhar no atendimento. Nos primeiros dias, vários clientes olhavam espantados pra mim e comentavam: "nossa, você passou no concurso?". Como herança da minha lesão medular, tenho tremor essencial. O que é isso, ninguém soube me explicar até hoje. Só sei que minhas mãos tremem um pouco, sendo que esse tremor é agravado no frio e em situações de stress. Vários clientes já me perguntaram se estava tremendo de frio ou de emoção ao atendê-los! Certa vez, fui calcular o NSU, num computador bem distante da minha mesa, para liquidar um financiamento habitacional de um cliente. Não sei o que aprontei que a caneta caiu no chão e não consegui apanhá-la. Como não havia ninguém por perto e gastaria um tempo enorme para voltar até minha mesa para buscar outra caneta, me lembrei que o esmalte vermelho que estava usando soltava tinta. Acabei anotando os números com as unhas. Assim que dei logoff no sistema e dei ré na cadeira de rodas, uma figura apareceu com minha caneta na mão. Ele disse que achou aquilo uma coisa do outro mundo!
Queria me entregar a caneta, mas ficou curioso para saber o que eu faria sem ela. Um problema que ainda enfrento e que é recorrente com outros amigos deficientes do banco são os concursos internos. Por mais que se fale que a empresa valoriza a diversidade, em muitos casos, já iniciamos o processo em desvantagem. Levei um tempo até provar que a cadeira de rodas não interfere em nada na competência. Mas já me deparei com alguns gestores que não lidam bem com isso, provavelmente, por falta de conhecimento.
Conheço pessoas com deficiência que dão um show em suas áreas de atuação. Independente de serem cadeirantes, cegas, surdas ou com qualquer deficiência, foram à luta, não se deixando abater pelas dificuldades. Com certeza, não foi nada fácil chegar aonde chegaram. A maioria que conheço não se deixa acomodar. Está sempre correndo atrás de outras conquistas. São bancários, analistas de sistemas, jornalistas, funcionários públicos, professores, poetas, atletas... Mesmo sabendo que as coisas estão melhorando pro nosso lado, já imaginaram, por exemplo, o quanto precisa ser corajoso um cadeirante que se atreve a dar aulas? Ou um cego que resolve ser advogado? Da mesma forma, um tetraplégico que resolve desafiar as leis da natureza e se tornar nadador? Que tal um amputado que sai dando palestras por aí? Todas as pessoas me servem de exemplo e fonte de inspiração. Admiro e apoio pessoas com deficiência que não são acomodadas e que fazem as coisas acontecerem. Fico triste quando vejo amigos deficientes que tem preguiça de estudar, acham um absurdo trabalhar e nem disposição para se dedicar aos treinos no esporte possuem. Esses estão perdendo uma oportunidade fantástica de aproveitar a vida em toda sua plenitude e, de quebra, ajudar na transformação de nossa sociedade.Enfim, aproveito o texto de hoje para homenagear todas as pessoas com deficiência que fazem as coisas acontecerem. Nós sabemos bem o significado de datas como o dia 21 de setembro, pois nossas vidas são feitas de lutas diárias. Sabemos como ninguém o doce gostinho da vitória em todas as pequenas conquistas e o quanto foi difícil obtê-las. Uma das coisas que acho mais interessante na deficiência é que ela sempre nos traz a possibilidade de aprendizado e a oportunidade de ver a vida com outros olhos.

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